Autoria: Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva
* Dra Ana Beatriz Barbosa Silva (Médica Psiquiatra, CRM/RJ 5253226/7)
Sempre tive a mais absoluta convicção que o término de uma paixão era sempre algo doloroso com tons fortes de desespero. Todas as paixões que tive e as que pude observar nos amigos e pacientes confirmaram este aspecto destruidor da paixão acabada.
Tal era esta certeza que ao viver ou ver alguém nesta triste situação, vinha-me logo a mente a frase da cançãoDe frente pro crime, de João Bosco e Aldir Blanc: “ta lá o corpo estendido no chão!” A paixão é algo tão preenchedor em nossas vidas que, ao experimentá-la por inteiro, temos a impressão que outra pessoa brotou de dentro de nós, um nascimento espontâneo sem uma gravidez antecedente.
Literalmente parimos o “ser apaixonado” que passa a habitar o escaninho de nossas almas. Por dias ou poucos meses o “ser apaixonado” toma posse do nosso corpo e sai por aí, vivendo intensamente, disfarçado de “nós seres centrados”.
O “ser apaixonado” nos faz sonhar sem críticas ou limites mundanos, faz-nos “malucos beleza” ou loucos elogiáveis. O corpo gera energia antes nunca experimentada, os toques desencadeiam sensações, no mínimo exóticas, a pele se veste de um frescor tão intenso que, ao caminharmos, temos a nítida certeza de que perfumamos as ruas da cidade. Desafiamos as leis, quebramos hábitos quase existenciais, esquecemos do trabalho, da família, dos amigos, das contas, dos prazos e de quem éramos antes de sermos contaminados pelo vírus da paixão.
Se, por um lado, esquecemos de tudo sem nos darmos conta, por outro, lembramos a todo instante da grandiosidade de Deus! É isso mesmo, pois quando estamos em estado de paixão olhamos o mundo de forma bem peculiar: reparamos nos raios de sol do amanhecer, nos deslumbramos com o céu estrelado e o poder de iluminação da lua cheia, sorrimos mais, choramos o choro do prazer e tocamos o dedo de Deus ao aceitar incondicionalmente o “outro”, objeto de nossa paixão, exatamente como ele é. E mais: imploramos que nunca, nunca mesmo ele mude. Mas, como tudo na vida muda (as marés, os ventos, o dias), a paixão também vai desbotando, esmaecendo suas tonalidades, perdendo o brilho, ganhando a palidez dos seres comuns, que vão desmaiar e por fim cair.
Caiu, levanta! O “ser apaixonado” nunca sequer andou, ele sempre flutuou, plainou acima dos mortais e do bem e do mau.
E agora que acabou, anoiteceu, a chuva inundou a cidade, os príncipes voltaram a ser sapos e as princesas se perderam em florestas ou foram trancafiadas em sótãos tristes? E agora José?
Por incrível que pareça, você ainda tem o poder de escolha: ou deita, chora e reza para que o tempo cure as feridas, ou muda seu modo de ver e sentir o ocorrido. Afinal, tudo pode ser bom ou ruim e até assim, assim! Ruim é nunca ter se apaixonado, pior é ter se apaixonado e não ter se permitido chegar até a derradeira gota. Bom é ter a lembrança cinematográfica dos dias em que era herói de si mesmo e de seu cavalo que falava inglês e chinês. Ruim é não ter seguido a paixão e vivenciado em sua plenitude. Bom é ter feito tudo e saber que faria novamente, pois a paixão lhe fez livre, destemido e imbatível por todos, ainda que por pouco tempo. Ruim é se queixar a Deus por ter se apaixonado e, pior, culpá-lo por ter deixado a paixão ocorrer. Bom é agradecer a Deus pelos momentos inebriantes que lhe fizeram lembrar a juventude ousada e liberta, empoeirada no quarto de “cacarecos” do seu interior.
Melhor ainda é descobrir que a paixão após os 40 anos não é igual às edições dos tempos juvenis. Mas para isso, você precisa vivenciá-la, porque a vida só vale a pena se tivermos uma grande história pra contar!