Autoria: Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva.
* Dra Ana Beatriz Barbosa Silva (Médica Psiquiatra, CRM/RJ 5253226/7)
Definitivamente conceituar o amor é uma tarefa divina. A nós humanos só nos resta tecer comentários de vivências mal ou bem-sucedidas. Existem pessoas mais ousadas que se dispuseram a realizar essa difícil missão, tais como os poetas, profetas, sociólogos, escritores e filósofos. Todos deixaram obras lindas e profundas citações sobre o tema. De todas que pude ler, uma delas me chamou muita atenção: “O mistério do amor é maior que o mistério da morte.” (Anônimo).
Não me espanta que um anônimo, provavelmente uma pessoa simples, tenha feito uma das mais belas e profundas reflexões sobre o amor. Afinal, amar é uma condição humana e sempre haverá alguém com uma boa história de amor para contar, mesmo aquelas com finais tristes ou vividas somente em fantasias a centenas de milhas da realidade.
Ainda criança, ouvi um vendedor de flores dizer o seguinte: “O perfume das rosas é na realidade a fragrância do amor”. Confesso que aos oito anos de idade me limitei a decorá-la, mas aos quatorze, quando vivi minha primeira paixão, pude de fato sentir o perfume do amor ao receber minhas primeiras rosas com um cartãozinho romântico.
Convenhamos, quando o amor está no “ar” tudo muda; não no mundo, mas na mente. De modo mágico, ela cria uma nova realidade interna que nos faz ver tudo ao redor de maneira mais generosa e amistosa. Em tempos de amor, nossa mente é só paz e muita alegria.
Atualmente os próprios filósofos já admitem que o amor tem muitas formas, é múltiplo em nuances e caprichos. No entanto, afirmam que muito se pode fazer com ele, e para isso é preciso praticar; amar um pouco todos os dias por meio de bons pensamentos, gentilezas, gestos de consideração até se atingir amores de grande magnitude. O amor é um grande enigma, talvez um dos maiores de todos, e a grande dificuldade para decifrá-lo advém dele mesmo, pois banha-se permanentemente em sua própria e inebriante luz.
Diante da grandeza e do mistério do amor é natural que tenhamos medo de amar, mas também observamos que nunca houve tantas ideias e sentimentos opostos no que tange ao amor e à fragilidade dos vínculos humanos. Nos dias atuais, principalmente após a globalização, os relacionamentos se tornam ambíguos: trazem consigo o sonho e o pesadelo, tal qual o bichinho Mogwai, criado por Steven Spielberg, em Gremlins.
No filme, esse animalzinho, aparentemente dócil e gracioso, não pode ser molhado, tampouco alimentado após a meia-noite; caso contrário, multiplica-se assustadoramente e se transforma em uma criatura má e aterrorizante. São as regras que devem ser cumpridas para uma convivência sem riscos.
E assim é no amor: em determinados momentos são flores, em outros, espinhos afiados. E pior: não há como determinar o exato instante quando um se transforma no outro. A individualização, tão marcada pelo egoísmo e pela falta de generosidade dos novos tempos, faz dos relacionamentos afetivos os representantes mais comuns e perturbadores dessa ambiguidade.
Relacionamento afetivo é e sempre será um assunto do momento; isso porque todos nós queremos amar e ser amados. No entanto, estamos adicionando tantas regras que se torna quase impossível vivenciá-lo, pois não queremos correr riscos, sentir medo ou ser frustrados. Ainda assim, o tema relacionamento está em alta e o motivo é simples: apesar de seus óbvios riscos, amar é o único jogo que vale a pena se jogar sempre!
Para vencer o medo de amar é fundamental admitir que este é um exercício onde perdas e ganhos estão presentes e em constante alternância. Para começar jogue fora todos os manuais que ditam regras e mais regras de como se relacionar bem. No todo, o que esses manuais tentam ensinar é que o compromisso afetivo e, em particular, os compromissos de longo prazo, são uma grande cilada e como tal devem ser evitados. E assim vemos milhares de pessoas nesse mundo tão moderno falando uma coisa e fazendo outra bem oposta. Todos juram que o que mais desejam na vida é se apaixonar, amar e realizar o sonho de se relacionar. Mas na prática agem de tal forma que estabelecem relacionamentos superficiais e breves, como um remedinho que carregamos conosco por precaução. Tudo por puro medo, em doses quase tóxicas. Afinal, relações lights podem ser rompidas sem dor e sem peso na consciência. Medo que a relação acabe congelada e coagulada, medo de ter e ter que perder, medo de ser trocado, medo de trocar e sentir culpa, medo do medo que tudo isso dá e, por fim, o medo de viver a vida como ela é e deve ser.
O mais expressivo exemplo desta “epidemia do medo de se relacionar” são as relações virtuais. Diferentemente dos relacionamentos “caretas”, elas parecem feitas sob medida para o cenário afetivo dos tempos modernos, no qual se deseja que “possibilidades afetivas” surjam e desapareçam numa velocidade crescente e em quantidade cada vez maior. A grande maioria dos internautas que participa desse jogo afetivo de velocidade e quantidade tem um discurso muito bem racionalizado, no sentido de ampliar suas chances de encontrar uma relação afetiva satisfatória e mais completa. Ao contrário do que ocorre com os relacionamentos reais, é fácil entrar e sair dos relacionamentos virtuais, até porque, se rolar algum estresse é só apertar uma tecla e deletar!
Se observarmos bem, existe certo parentesco entre o amor e a morte. Ambos não possuem história prévia, são eventos que ocorrem no tempo próprio de cada pessoa e, principalmente, não fornecem conhecimento acalentador. Por mais que estudemos sobre o amor e a morte não aprendemos a amar e muito menos a morrer. Também não podemos fugir das suas garras quando é chegado o momento, pois ambos nos atacarão sem que possamos ter a mais vaga ideia de quando isso acontecerá. Sempre estaremos desprevenidos. Mas o amor difere da morte em um aspecto mágico: ao nos atacar ele encobre sua origem atemorizante com a embriaguez da excitação e do desejo. É por isso que, mesmo que tenhamos medo de amar, um dia acabaremos abatidos pela poderosa tentação da paixão. Contudo, para amar de verdade necessitamos de coragem e humildade em doses altas e contínuas, afinal o jogo do amor se realiza em um território inexplorado e não mapeado.
Adoraria terminar esta reflexão com dicas infalíveis para um ótimo relacionamento. No entanto, seria um desrespeito com o leitor, pois estaria realizando uma propaganda enganosa. Seria como dar a solução geométrica de transformar um círculo em um quadrado ou, ainda, dizer o ponto exato aonde duas paralelas irão se encontrar. Em última instância, ensinar a viver somente os encantos de um relacionamento, eliminando simultaneamente seus momentos de crises e dificuldades. Neste aspecto o amor é indiscutível! Como diz Caetano Veloso em sua música Dom de Iludir: “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Atrevo-me a deixar duas e somente duas observações que podem ajudar a desviar dos caminhos mais dolorosos que o necessário. Até porque, experiências desastrosas aumentam o medo de amar e é exatamente isso que devemos evitar:
1. Nada de “amor à primeira vista”. Iniciar um relacionamento afetivo requer plena consciência e, claro, sobriedade. Verifique a largura, a altura e a profundidade da piscina e somente após boa ambientação mergulhe do jeito que achar melhor!
2. Nunca tente se transformar em outra pessoa somente para agradar. Além de ser uma missão difícil de suportar por muito tempo, esta tentativa poderá fazer com seu parceiro ou parceira venha amar alguém que não é você!