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Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva

Genética e Neurodiversidade: O Elo Entre Autismo, TDAH e Dislexia

Genética e Neurodiversidade O Elo Entre Autismo, TDAH e Dislexia

Introdução

Você já se perguntou por que algumas condições do neurodesenvolvimento, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a dislexia e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), frequentemente aparecem em mais de um membro da mesma família? Ou por que esses transtornos às vezes ocorrem juntos na mesma pessoa? A resposta pode estar nas raízes genéticas compartilhadas entre eles.

A genética é uma peça fundamental no funcionamento do cérebro e tem papel decisivo no desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e comportamentais. Nos últimos anos, a ciência tem revelado interseções genéticas entre autismo, dislexia e TDAH, mostrando que, apesar de distintos, esses transtornos podem ter origens comuns.

Neste artigo, vamos explorar de forma clara e acessível como a genética influencia essas condições, o que elas têm em comum e como esse conhecimento pode ajudar no diagnóstico precoce, na intervenção personalizada e na redução do estigma.

O Papel da Genética nos Transtornos do Neurodesenvolvimento

A genética influencia a maneira como nosso cérebro se desenvolve, processa informações, reage ao ambiente e regula emoções. No caso dos transtornos do neurodesenvolvimento, mutações, variações genéticas e interações entre diversos genes podem afetar a comunicação entre neurônios, a plasticidade cerebral e a formação de redes cognitivas.

Esses fatores não funcionam isoladamente. Ou seja, a genética não determina o destino, mas aumenta a vulnerabilidade a determinados padrões de funcionamento cerebral. O ambiente — como nutrição, experiências emocionais, vínculos afetivos e estímulos educacionais — também exerce forte influência.

Por isso, mesmo gêmeos idênticos, que compartilham o mesmo DNA, podem apresentar graus diferentes de um mesmo transtorno.

Autismo e Genética

O Transtorno do Espectro Autista tem forte componente genético, com estudos apontando que entre 60% e 90% dos casos têm base hereditária. Isso significa que há maior chance de autismo em uma criança se já houver casos na família.

Diversos genes relacionados ao TEA já foram identificados, muitos deles associados à formação sináptica, regulação da expressão gênica e comunicação neuronal. Além disso, fatores epigenéticos — que alteram a forma como os genes se expressam — também influenciam.

Curiosamente, certos genes ligados ao autismo também aparecem em casos de TDAH e dislexia, o que indica sobreposição genética entre esses quadros.

TDAH e Genética

O TDAH é uma das condições psiquiátricas mais estudadas do ponto de vista genético. Pesquisas com famílias e gêmeos mostram que cerca de 70% a 80% dos casos têm origem hereditária. O transtorno está associado a variações genéticas que afetam o funcionamento de neurotransmissores como a dopamina e a noradrenalina — essenciais para foco, autocontrole e motivação.

Vários dos genes associados ao TDAH também aparecem em casos de autismo, principalmente os ligados ao controle de impulsos, flexibilidade cognitiva e atenção sustentada. Essa interseção genética explica por que muitas crianças com TDAH também apresentam traços do espectro autista.

Além disso, estudos revelam que irmãos de crianças com TDAH têm maior risco de desenvolver sintomas relacionados, ainda que não preencham todos os critérios diagnósticos.

Dislexia e Genética

A dislexia é um transtorno específico da aprendizagem com origem neurobiológica, e também apresenta forte componente genético. Estima-se que 40% dos filhos de pais disléxicos desenvolvem a condição, indicando hereditariedade significativa.

Genes ligados à dislexia influenciam a conectividade entre as áreas do cérebro responsáveis pela linguagem, leitura e processamento fonológico. Alterações na estrutura cerebral dessas regiões já foram identificadas em exames de neuroimagem, inclusive em crianças que ainda não aprenderam a ler, mas têm histórico familiar.

Além disso, alguns genes associados à dislexia também foram encontrados em estudos sobre TDAH, o que reforça a hipótese de uma base genética compartilhada.

O Que Autismo, Dislexia e TDAH Têm em Comum Geneticamente?

Apesar de serem condições distintas, existe uma sobreposição genética e neurofuncional entre TEA, dislexia e TDAH. Alguns dos pontos comuns são:

  • Fatores genéticos que afetam a comunicação entre neurônios
  • Alterações na formação e funcionamento de circuitos cerebrais responsáveis por atenção, linguagem, controle emocional e aprendizado
  • Alta comorbidade entre os três transtornos (por exemplo, uma criança com TDAH pode apresentar dificuldades de leitura ou traços autistas)
  • Variações em genes que influenciam a plasticidade cerebral — ou seja, a capacidade do cérebro de aprender e se adaptar

Essas conexões sugerem que essas condições são formas diferentes de manifestação de um espectro mais amplo de neurodiversidade, onde a genética influencia padrões de desenvolvimento atípico, mas não é o único fator determinante.

Importância do Diagnóstico Integrado

Reconhecer que autismo, dislexia e TDAH podem ter origens genéticas comuns ajuda a identificar sinais precocemente e evitar diagnósticos fragmentados. Muitas vezes, uma criança que apresenta dificuldades escolares, por exemplo, é diagnosticada apenas com TDAH, quando, na verdade, pode haver também dislexia ou traços autistas que passam despercebidos.

O diagnóstico integrado permite:

  • Melhor direcionamento terapêutico
  • Planejamento educacional mais eficiente
  • Prevenção de frustrações e baixa autoestima
  • Acolhimento mais empático da família e da escola

Conclusão

A genética desempenha um papel essencial no desenvolvimento de condições como o autismo, a dislexia e o TDAH. Mais do que separar esses diagnósticos, a ciência mostra que eles compartilham raízes e características comuns, sugerindo que a neurodiversidade é uma teia complexa de influências genéticas, emocionais e ambientais.

Compreender essa conexão genética não é rotular, mas libertar — permitir que cada pessoa receba o suporte necessário, de forma personalizada e respeitosa. E acima de tudo, reconhecer que por trás dos desafios também existem talentos únicos, formas diferentes de pensar e modos singulares de sentir o mundo.

Referências

  1. Giedd, J. N., & Rapoport, J. L. (2010). Neurodevelopment and genetic influences in autism and ADHD.
  2. Faraone, S. V. et al. (2015). The heritability of attention-deficit/hyperactivity disorder.
  3. Plomin, R., & Kovas, Y. (2005). Generalist genes and learning disabilities.
  4. Geschwind, D. H. (2009). Advances in autism genetics: on the threshold of a new neurobiology.
  5. Shaywitz, S. (2003). Overcoming Dyslexia.
Dra. Ana Beatriz Barbosa

Dra. Ana Beatriz Barbosa

Médica graduada pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) com residência em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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