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Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva

Conteúdos Rasos Estão Atrofiando a Nossa Capacidade de Pensar

Conteúdos Rasos Estão Atrofiando a Nossa Capacidade de Pensar

Introdução

Vivemos em uma época de abundância de informação e, paradoxalmente, de escassez de reflexão. Somos bombardeados diariamente por uma avalanche de conteúdos digitais curtos, rápidos e altamente estimulantes. Vídeos de segundos, manchetes chamativas e frases de efeito se tornaram a principal fonte de “informação” para milhões de pessoas. Mas até que ponto esse modelo de consumo está moldando — ou limitando — nossa capacidade de pensar criticamente, de aprofundar ideias e de nos conectar verdadeiramente com o mundo?

É nesse cenário que surge uma preocupação crescente com a superficialidade dos conteúdos e seus efeitos sobre o cérebro humano, especialmente entre os jovens. Um fenômeno chamado “brain rot” — literalmente, “apodrecimento cerebral” — está ganhando força como uma metáfora poderosa para descrever os impactos desse excesso de estímulos superficiais. E mais do que uma metáfora, trata-se de uma realidade científica, emocional e social que merece atenção urgente.

O que é Brain Rot e por que isso nos afeta tanto?

O termo brain rot descreve o declínio das funções cognitivas diante do consumo excessivo de conteúdos digitais de baixa complexidade. Embora popularizado nas redes sociais, ele vem sendo reconhecido por profissionais da saúde como um reflexo da nossa incapacidade atual de sustentar atenção, memorizar com profundidade e manter o raciocínio lógico por períodos prolongados.

Essa mudança não é apenas comportamental. Estudos em neurociência já demonstram que a repetição de estímulos rápidos altera as conexões sinápticas do cérebro, favorecendo os circuitos da gratificação instantânea e prejudicando os que sustentam a atenção prolongada, o autocontrole e o pensamento abstrato.

A Neurociência da Superficialidade: um cérebro adaptado ao raso

Nosso cérebro é plástico, ou seja, moldável ao tipo de estímulo que recebe com frequência. Quando passamos horas vendo vídeos curtos, pulando de um conteúdo para outro, o cérebro adapta sua estrutura e funcionamento para esse padrão. O resultado? Dificuldade de concentração, impaciência, ansiedade e sensação constante de insatisfação.

Como explica a psiquiatra Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva no livro Mentes Inquietas, isso é ainda mais acentuado em cérebros com predisposição ao TDAH, mas não se restringe a eles. O excesso de estímulo e a ausência de pausa afetam qualquer cérebro, principalmente em fases de desenvolvimento como a adolescência. E o problema não é o conteúdo em si, mas o modo como o consumimos — sempre em movimento, sem tempo para a digestão mental.

Sociedade da Pressa: efeitos emocionais e sociais da distração crônica

A superficialidade não afeta apenas o desempenho cognitivo, mas também as relações humanas, a autoestima e o bem-estar emocional. Ao consumir conteúdo que exige pouco esforço, perdemos a capacidade de lidar com o tédio, com o silêncio e com a frustração. E é justamente nesses momentos que nascem as ideias mais originais e profundas.

Pessoas que vivem nesse ciclo constante de distração relatam sintomas como:

  • Ansiedade aumentada, mesmo em situações neutras;
  • Sensação de vazio e tédio, apesar de estarem sempre “ocupadas”;
  • Baixa tolerância a atividades demoradas, como leitura ou estudo;
  • Impulsividade verbal e emocional, devido ao hábito de reações imediatas.

Além disso, vivemos uma época onde a comparação é constante, e os conteúdos das redes sociais alimentam uma realidade editada que gera frustração e insegurança. O resultado é um ciclo de insatisfação contínua, que pode evoluir para síndromes depressivas leves ou quadros de desmotivação crônica.

Educação e Superficialidade: impacto na aprendizagem e no futuro

A escola, que deveria ser um espaço de profundidade e pensamento crítico, também sofre os impactos da era da distração. Professores relatam que os alunos têm mais dificuldade em manter o foco, apresentar projetos consistentes e desenvolver argumentos lógicos.

Uma pesquisa publicada pela plataforma SciELO revelou que estudantes que desenvolvem uma abordagem superficial à aprendizagem apresentam rendimento acadêmico significativamente menor do que aqueles que buscam entender profundamente os conteúdos. A busca por atalhos, resumos e respostas prontas está suprimindo a habilidade de pensar por si próprio — uma das competências mais urgentes para o futuro.

Como romper com a lógica do superficial? Estratégias práticas

É possível sim, querido, recuperar nossa conexão com a profundidade e o pensamento crítico. Para isso, precisamos adotar alguns hábitos simples, mas poderosos:

  1. Reserve tempo para leitura: livros ainda são os melhores exercícios para a mente.
  2. Desative notificações: evite ser interrompido por estímulos constantes.
  3. Pratique escrita e reflexão pessoal: escrever ajuda a organizar ideias e aprofundar pensamentos.
  4. Estabeleça momentos offline: o silêncio é fértil para a criatividade e o equilíbrio.
  5. Busque conversas profundas: troque ideias que ampliem o olhar, ao invés de apenas consumir.

Conclusão

Mais do que um problema tecnológico, o consumo excessivo de conteúdos rasos é uma questão humana e cultural. Precisamos resgatar o valor da lentidão, da dúvida, da contemplação. Pensar exige esforço, e esforço é uma escolha.

A superficialidade pode nos entreter, mas só a profundidade pode nos transformar. Em tempos de excesso de informação, a sabedoria está em saber o que deixar de lado para poder pensar com clareza. E talvez a pergunta mais importante não seja se estamos entretidos demais para pensar, mas: a que custo estamos deixando de pensar?

Referências

  1. GOV.BR – Ministério da Saúde / Rede Ebserh
  2. Brasil Escola – Site educacional de apoio em sociologia
  3. SciELO – Biblioteca Científica Eletrônica Online
  4. Ana Beatriz Barbosa Silva – Mentes Inquietas: entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. Editora Gente, 2003.
Dra. Ana Beatriz Barbosa

Dra. Ana Beatriz Barbosa

Médica graduada pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) com residência em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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